quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Hoje acordei Lorranny





Hoje acordei Lorranny, com dois enes e um ipslone, assinei logo o nome, para nunca mais voltar a ser quem era. Ainda com a maquiagem borrada caminhara em passos lentos e mórbidos até o vaso sanitário e expulsara em seu ritmo todos os excrementos que insistiam em habitar sua existência. Logo o primeiro corpo estranho que sentira, fora o últero, vazio.

Assim, sentindo seu últero vazio, Lorrany só pensava na roda!

Fissura, estou ficando tonta. Essa roda girando girando sem parar. Olha bem: quem roda nela? As mocinhas que querem casar, os mocinhos a fim de grana pra comprar um carro, os executivozinhos a fim de poder e dólares, os casais de saco cheio um do outro, mas segurando umas. Estar fora da roda é não segurar nenhuma, não querer nada. Feito eu: não seguro picas, não quero ninguém. Nem você. Quero não, boy. Se eu quiser, posso ter. Afinal, trata-se apenas de um cheque a menos no talão, mais barato que um par de sapatos. Mas eu quero mais é aquilo que não posso comprar. Nem é você que eu espero, já te falei. Aquele um vai entrar um dia talvez por essa mesma porta, sem avisar. Diferente dessa gente toda vestida de preto, com cabelo arrepiadinho. Se quiser eu piro, e imagino ele de capa de gabardine, chapéu molhado, barba de dois dias, cigarro no canto da boca, bem noir. Mas isso é filme, ele não. Ele é de um jeito que ainda não sei, porque nem vi. Vai olhar direto para mim. Ele vai sentar na minha mesa, me olhar no olho, pegar na minha mão, encostar seu joelho quente na minha coxa fria e dizer: vem comigo. É por ele que eu venho aqui, boy, quase toda noite. Não por você, por outros ecmo você. Pra ele, me guardo. Ria de mim, mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula, só porque no meio desse lixo todo procuro o verdadeiro amor. Cuidado, comigo: um dia encontro.

(Referência bibliográfica: "A Dama da Noite" - Caio Fernando Abreu)

Suje-se, depois limpe-se!



Vivemos a era do colonialismo social barato, materializamos a era da estética imagética legendada nas fotografias expostas nos sites de relacionamento, vendemos a imagem há muito tempo, mas hoje manipulamos e poetizamos as informações, ninguém morre, vai-se para outro plano espiritual, ninguém é assaltado, tenta-se, e inventa-se, ninguém joga murro, dialogam conflitos, e perdoa-se, fácil, fácil. Acredito que o mundo precisa ser poético, mas ainda opto pela veracidade jornalística ética dos fatos, isso, perdeu-se, já foi, e se foi. Mas... é torcer para ser sempre um sociável, e então, você está livre de todos os seus dilemas! Foi-se embora a educação, o requinte, basta apresentar-se bonito na fotografia, e pouco importa depois o que acontece, mas não sem antes adicionar uma pitadinha de cinismo barato, agora está pronta a receita, leve ao forno bem aquecido, depois não esqueça de rasgar as páginas amarelas do livro antigo de receitas da família tradicional, e de preferência ponha a sujeira para bem debaixo do tapete.
Arlindo Bezerra da Silva Junior